Os escravos africanos e seus descendentes crioulos e mestiços influenciaram em profundidade a formação cultural do País, desde a época em que este era América portuguesa. Raros serão os aspectos de nossa cultura que não tenham sido moldados com a ajuda da mão e da inteligência africanas e afro-brasileiras.
Na religião, música, dança, alimentação, língua, temos a influência negra, apesar da repressão que sofreram as suas manifestações culturais mais cotidianas.
Influência religiosa
A pesquisa dos sentimentos religiosos é uma tarefa complexa quando se trata do passado mais remoto, pela dificuldade que se tem de penetrar livremente na alma do crente mais ainda quando este deixou pouco testemunho direto sobre sua fé, como foi o caso do escravo.
Observa-se que, ao invés do isolamento, os africanos e seus descendentes aprenderam a conviver e a recrutar para seu universo religioso outros setores da sociedade, até mesmo pessoas livres e brancas.
Favoreceu essa convivência a mentalidade comum a ambos os grupos étnicos - brancos e negros - de que a prática religiosa estava voltada para a satisfação de algum desejo material ou ideal. As promessas a santos, pagas com o sacrifício da missa, apresentavam semelhanças com os pedidos feitos aos deuses e espíritos africanos em troca de oferendas de diversos tipos.
Mas, nos primeiros séculos de sua existência no Brasil, os africanos não tiveram liberdade para praticar os seus cultos religiosos. No período colonial, a religião negra era vista como arte do Diabo; no Brasil-Império, como desordem pública e atentado contra a civilização.
Assim, autoridades coloniais, imperiais e provinciais, senhores, padres e policiais se dividiram entre tolerar e reprimir a prática de seus cultos religiosos.
A tolerância com os batuques religiosos, entretanto, devia-se à conveniência política: era mantida mais como um antídoto à ameaça que a sua proibição representava do que por aceitação das diferenças culturais.
Outras manifestações culturais negras também foram alvo da repressão. Estão neste caso o samba, revira, capoeira, entrudo e lundu negros.
O racismo
Na sociedade brasileira do século XIX, havia um ambiente favorável ao preconceito racial, dificultando enormemente a integração do negro. De fato, no Brasil republicano, predominava o ideal de uma sociedade civilizada, que tinha como modelo a cultura européia, onde não havia a participação senão da raça branca. Esse ideal, portanto, contribuía para a existência de um sentimento contrário aos negros, pardos, mestiços ou crioulos, sentimento este que se manifestava de várias formas: pela repressão às suas atividades culturais, pela restrição de acesso a certas profissões, as "profissões de branco" (profissionais liberais, por exemplo), também pela restrição de acesso a logradouros públicos, à moradia em áreas de brancos, à participação política, e muitas outras formas de rejeição ao negro.
Contra o preconceito e em defesa dos direitos civis e políticos da população afro-brasileira, surgiram jornais, como A Voz da Raça, O Clarim da Alvorada; clubes sociais negros e, em especial, a Frente Negra Brasileira, que tendo sido criada em 1931, foi fechada em 1937 pelo Estado Novo.
O samba e a capoeira
Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro em 1898 e faleceu em 1966. Cresceu entre o Mangue e a Praça Onze. Foi tipógrafo, sapateiro, alfaiate, marceneiro, e sempre dizia "O meu mestre foi o mundo". Foi compositor e fundador de várias escolas de samba, entre as quais a Mangueira. A partir de 1937 começou a pintar, levando para as telas seu ambiente preferido: o samba, as mulatas, os malandros, as favelas, o trabalho rural. (AYALA, W. Dicionário de Pintores Brasileiros. Rio de Janeiro: Spala Editora Ltda, 1986)
Durante o período da revolução de 30, os próprios núcleos de cultura negra se movimentaram para ganhar espaço. A criação das escolas de sambaAs escolas de samba têm sua origem nos cordões e blocos dos carnavais antigos. O primeiro desfile extraoficial ocorreu em 1932, e o primeiro desfile oficial, em 1935, na Praça Onze, onde durante muitos anos se concentravam, nos dia de carnaval, "blocos" e "cordões". A primeira escola que apareceu no Rio de Janeiro foi a "Deixa Falar", fundada em 1928 no bairro do Estácio, zona Norte da cidade. (http://www.rio.gov.br/riotur/rioportu/ carnaval/car.htm) no final dos anos vinte já representara um passo importante nessa direção. Elas, que durante a República Velha foram sistematicamente afastadas de participação do desfile oficial do carnaval carioca, dominado pelas grandes sociedades carnavalescas, terminaram sendo plenamente aceitas posteriormente.
No rastro do samba, a capoeiraA capoeira começou como um tipo diferente de defesa e diversão entre os escravos africanos no Brasil, já que eram proibidos de usar armas de fogo e espadas (armas de seus senhores), para se defender e dar chutes em seus adversários. Tornou-se mais tarde uma forma de luta organizada e mortal nos maiores centros urbanos do século XIX, especialmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Durante todo o século XIX e início do século XX, apesar de ser ilegal a prática da capoeira, os grupos de capoeira foram frequentemente utilizados por chefes políticos locais para assegurar vitória nas eleições: dissolviam comícios de adversários, criavam desordens e intimidavam os eleitores. Na primeira metade do século XX, a capoeira se transformou em um esporte com aparência de dança, tornando-se uma importante expressão de nosso folclore. (HAHNER, J. E. Pobreza e Política. Os pobres urbanos no Brasil - 1870/1920. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993). e as religiões afro-brasileiras também ganharam terreno. Antes considerada atividade de marginais, a capoeira seria alçada a autêntico esporte nacional, para o que muito contribuiu a atuação do baiano Mestre Bimba, criador da chamada capoeira regional. Tal como os sambistas alojaram o samba em "escolas", Bimba abrigaria a capoeira em "academias", que aos poucos passaram a ser frequentadas pelos filhos da classe média baiana, inclusive muitos estudantes universitários.